Na fronteira entre saúde e performance, uma nova disputa se desenha e ela diz muito sobre o futuro dos wearables. No centro do debate está a Whoop, empresa que transformou a forma como atletas e biohackers medem seu corpo, agora enfrentando a FDA por causa de um recurso promissor, mas controverso: o Blood Pressure Insights (BPI).
Com promessas de rastrear tendências de pressão arterial sem manômetro, o BPI representa mais um passo da tecnologia em direção ao monitoramento contínuo da saúde cardiovascular, algo que, até pouco tempo, exigia consultório médico e aparelhos infláveis. Mas a Food and Drug Administration discorda do caminho adotado.
Quando Bem-Estar Vira Dispositivo Médico?
A FDA emitiu uma advertência oficial à Whoop, alegando que o BPI ultrapassa os limites do que pode ser considerado "bem-estar" e, por isso, deve ser tratado como dispositivo médico não autorizado. Segundo a agência, oferecer estimativas de pressão arterial (mesmo sem se posicionar como diagnóstico) pode influenciar decisões clínicas, e isso exige testes, validações e autorizações formais.
A Whoop, por outro lado, rebate com um argumento robusto: o recurso é uma ferramenta educativa e de estilo de vida, amparada pelo 21st Century Cures Act, que permite softwares voltados à saúde e performance escaparem da categorização médica, desde que não sejam usados para diagnóstico ou tratamento.
Tecnologia a Serviço da Longevidade?
Na prática, o recurso de pressão arterial da Whoop oferece tendências diárias com base em dados biométricos contínuos. Para quem treina, otimiza o sono ou simplesmente deseja viver mais e melhor, essa estimativa pode ser o que faltava para ajustar hábitos, identificar sinais precoces de estresse ou evitar a espiral silenciosa da hipertensão, uma das maiores causas de morte evitável no mundo moderno.
Mas o que acontece quando a tecnologia antecipa a medicina? É esse o dilema. A FDA entende que o potencial impacto do BPI vai além do informativo. E se um usuário alterar seu tratamento médico com base em dados do relógio? E se a estimativa estiver errada?
O Peso do Precedente
Essa não é apenas uma briga regulatória: é um precedente que pode moldar o futuro dos wearables. Se o BPI for enquadrado como dispositivo médico, será um recado para Apple, Oura, Garmin, e todas as outras marcas que ensaiam recursos semelhantes. A questão não é se podemos medir mais, mas até onde podemos ir sem sermos tratados como médicos.
É também um debate filosófico: o corpo, afinal, pertence ao indivíduo ou ao sistema? Temos o direito de conhecer (e quantificar) nossa fisiologia com liberdade total? Ou o Estado deve intervir para proteger-nos de interpretações erradas mesmo que isso atrase a inovação?
Em Busca do Autoconhecimento Consciente
Na era da longevidade, quantificar-se é empoderar-se. Mas como todo poder, isso vem com responsabilidade. O caso Whoop mostra que estamos vivendo uma transição da saúde como reação para a saúde como prevenção orientada por dados. Cabe à indústria, ao governo e ao público encontrar o ponto de equilíbrio entre autonomia e segurança.
Enquanto isso, a Whoop terá 15 dias para responder à FDA. Mas a discussão vai muito além de prazos. Ela atravessa nossa relação com a tecnologia, a medicina e acima de tudo com nosso próprio corpo.
Outlive Magazine acompanha de perto a evolução das tecnologias de performance, saúde e longevidade. Este é apenas o começo de uma conversa que vai redefinir como (e com que liberdade) vamos viver os próximos 100 anos.